Uma mulher independente
A prima Odete era irmã mais nova da prima Maria Isabel, fazendo entre elas três anos e seis meses de diferença.
- São a noite e o dia, estas minhas duas filhas – dizia a tia Maria Adelina.
Eram realmente diferentes as duas irmãs. A prima Maria Isabel era uma mulher independente, que abraçara a causa do proletariado e da redistribuição da propriedade privada desde Maio de setenta e quatro, mas só da boca para fora e em debates de almoços de família, não tendo nunca, que se soubesse, sido filiada em algum partido ou grupo revolucionário. A prima Maria Isabel era uma boémia que não via novelas, dizia ela que alienavam o povo, e se recusava a usar soutien (mas também era uma tábua), fumava dois maços de Sintra por dia, fez uma permanente que a tornou numa versão de metro e sessenta da Lara Li, teve vários empregos como secretária e antes de ir viver com o Tó para um apartamento de uma assoalhada, mais marquise, em Benfica, viveu quase dois anos com um retornado de Nova Lisboa, a quem a tia Maria Adelina, mesmo reconhecendo que ele era bom rapaz e trabalhador, se fartou de torcer o nariz:
- Só me faltava agora era ter netos mulatos.
Já o Tó era o genro dos olhos da tia Maria Adelina:
- Tirando lá o ser comunista, é uma jóia de rapaz.
A prima Maria Isabel e o Tó viveram juntos até mil novecentos e oitenta e nove. Separaram-se umas semanas depois da queda do muro de Berlim.