Espera
Cristina Nobre Soares, 28.01.21
No outro dia, depois de eu pagar as compras, a rapariga da caixa puxou de um caderno e uma caneta e perguntou-me:
- Se definisse este ano que passou numa única palavra qual era? É para um trabalho que ando a fazer.
Respondi sem hesitar.
- Espera. A palavra seria espera.
Ela apontou e olhou para mim.
- É verdade. Andamos todos à espera que isto passe não é?
- É.
Peguei nos sacos e saí. Fui a pensar até ao carro que não me referia apenas à espera das coisas grandes e importantes, de que todos esperamos. Claro que todos esperamos que cheguem as vacinas, que baixem os números, que a tal normalidade volte. Que "isto passe". Falava também das inúmeras insignificâncias que adiámos. Listei de memória todas as pequenas coisas que deixei suspensas neste ano que passou. Algumas nem eu sabia que existiam, ou se calhar sabia, mas temos este pudor (ou pensamento mágico) de achar que só os grandes problemas devem ser verbalizados e esquecemo-nos que são sempre as pequenas coisas que nos salvam a normalidade. Como se a moralidade das grandes coisas fosse a nossa salvação. Ah, coitados dos que acreditam nisto.
No meio da tal lista, que fui fazendo de regresso a casa, lembrei-me do meu sobretudo cor-de-rosa novo, há tanto tempo à espera para ver a luz do dia, à espera que tudo passe, de o levar para trabalhar, a um teatro, jantar fora.
Que se lixe, da próxima vez que vier ao supermercado visto-o. Antes que seja Verão outra vez.