Vento
Quando chego ao fim da rua sopra uma rajada de vento. Uma mulher carregada com sacos em cada uma das mãos, baldeia-se por causa do joelho que lhe falha e quase que se desequilibra, arre, que o demónio me ia atirando ao chão. Pousa os sacos e leva as mãos, com mais gelhas do que as que tem na cara, à cintura. É danado este vento, diz-me, mas, vá que não é do suão, filho de uma égua, esse, que dá quebranto do malvado à gente. Sorrio. Não faça pouco, não faça pouco, que eu conheço muito boa gente a quem se meteu deste quebranto quente no corpo e nunca mais perdeu o mortiço nos olhos. É um malvado que murcha a gente por dentro como faz à erva. Só é bom para as bichas se porem a sair debaixo das pedras. Só para as bichas, diz, enquanto pega nos sacos e segue caminho.
(E eu era capaz de ficar uma mão-cheia de horas a ouvir falar este português de ouvir contar.)