Perguntam-me se sempre gostei de ser mulher. Respondo que não. Que nem sempre gostei de o ser. E antecipando o porquê, conto um episódio. Era o dia do casamento de uma prima minha. Eu teria uns doze anos, e a minha mãe tinha-me comprado uma roupa nova. Uma que assentasse bem no peito que crescia a olhos vistos, para meu embaraço. Mas que não te faça parecer uma mulher pequena, comentou a minha mãe. Eu não percebi muito bem o sentido da frase. Suspeitei que tivesse a ver com o meu novo corpo, que me sobrava, desajeitado. Não liguei. Afinal era dia de casamento, o que significava que eu iria brincar com os meus primos até às tantas e empanturrar-me com bolos até ficar enjoada. O costume, portanto. Mas algo mudou nesse dia. Estás uma mulher, disseram-me as minhas tias. Vai ter ali com elas, disseram-me. Elas, eram as outras raparigas, algumas mais velhas do que eu, a quem lhes tinha sido dada a responsabilidade de tomarem conta dos mais pequenos. Vai lá, disseram-me, que tens de te ir aprendendo como se faz. Olhei-lhes o mimetismo irrepreensível, com as crianças pela mão. Pareciam mulheres pequenas. Afinal aquilo que a minha mãe quis esconder com a minha roupa, podia revelar-se de outras formas. Como uma sentença de comportamento. Do outro lado do pátio, os rapazes limitavam-se a passar o tempo. E eu disse, mas os rapazes também vão ser pais e não têm de aprender nada. Mas a vida é assim, responderam-me. E aquelas palavras tiraram-me o ar. Asfixiaram os meus doze anos apenas num corpo. És mulher, limita-te a ser um corpo. Um corpo que criará os filhos que parir. Um corpo que cuidará dos outros. Dos vivos e dos mortos. Um corpo que se limitará a emprestar à existência dos outros. Que te dirão quantos filhos terás, se os poderás, ou não, abortar, como e onde os parirás, como e onde os amamentarás. Serás um corpo sobre o qual toda a gente terá opinião, regras, preconceitos e outros medos. Não, a vida não é assim, não tem de ser assim. E o meu útero não pode ser a minha sentença.