Das aulas de ballet e outras ortopedias
Éramos umas vinte. Todas vestidas com maillots azuis e collants brancos. A ver se o ballet lhe corrige os tornozelos, dizia a minha mãe. E assim evita os sapatos ortopédicos, que nas meninas fica tão feio. A sala tinha um piano perto da janela. Nela sentava-se uma mulher nova, de cabelo ruivo muito encaracolado. Chamava-se Madalena. Engraçado, não me lembro do nome da minha professora, que se vestia sempre de preto e usava o cabelo impecavelmente apanhado na nuca. Fazia-lhe um gesto, um quase estalar de dedos, Madalena anuía com a cabeça e o som das sapatilhas arrastava-se no soalho velho. A luz, filtrada pelos vidros amarelos das janelas, fazia com que fosse sempre uma tarde de Verão. Mesmo quando, lá fora, se ouvia a chuva de Janeiro. Ao terminar de tocar, Madalena deixava as mãos durante um instante suspensas sobre as teclas. E o tempo parava um bocadinho, até ser rasgado pela voz metálica da minha professora. Direita! Sempre, distraída. Eu afastava do rosto o cabelo, que, desalinhado, insistia em sair da rede e voltava ao port de bras. Madalena sorria-me. Ou se calhar era eu quem lhe sorria. A ver se o ballet lhe corrige os tornozelos. Talvez seja por isso, que hoje, sempre que estes me doem, o cabelo me caia de novo para o rosto, durante um instante. Aquele instante suspenso da Madalena.